"O Filme The Father"

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O envelhecimento é uma realidade incómoda e penosa, tanto para quem o vive como para quem o tenta acompanhar, colmatado as lacunas que a perda de algumas faculdades vai criando, umas vezes de repente, outras vezes mais gradualmente.

O filme “The Father”, em que Anthony Hopkins faz o papel de um adulto envelhecido - a palavra idoso é algo condescendente - é brutal na representação dessa perda, em particular da perda das faculdades cognitivas, que esta personagem vai enfrentando. A demência instala-se na personagem tal como a confusão se instala no espectador, que vê o filme da perspectiva daquele, e que nunca percebe qual das situações realmente aconteceu.

No filme, vários episódios são repetidos de vários prismas, do prisma compreendido pelo “pai”, e do prisma da suposta realidade dos eventos. A confusão, o desconhecimento, o “não saber”, começa com pequenas coisas, como onde se deixou o relógio, passando depois para o local em que se vive, para as pessoas que nele vivem, para o não reconhecimento dos próprios familiares - e, no fim, para a pergunta derradeira - “quem sou eu?” - o não reconhecimento da própria identidade. Este crescendo é vivido em duas frentes - na frente do “pai”, e na frente da filha, Olivia Colman, e do dilema que esta vive entre tentar providenciar pelas necessidades do pai, e o aperceber-se da sua incapacidade para tal.

"A velhice não é sexy. O adulto, após chegar à plenitude do seu saber fazer e do seu saber viver, entra num processo de definhamento, em que parece, de forma um pouco constangedora, ser afinal criança."

A velhice não é sexy. O adulto, após chegar à plenitude do seu saber fazer e do seu saber viver, entra num processo de definhamento, em que parece, de forma um pouco constrangedora, ser afinal criança. Mas uma criança com a sabedoria e memória que trazem muitos anos de vida, uma velha criança. Um fenómeno torcido, que culmina no fim da vida.

O cuidador informal tem nisto uma importância cabal, pois muitas vezes é o único suporte de dignidade no amparo deste processo. Com o Estatuto do Cuidador Informal tem sido feito um caminho de crescente reconhecimento desta função e destas pessoas, nomeadamente da necessidade do seu acompanhamento e formação, para que possam melhor acompanhar os outros. Mas ainda há caminho a ser feito, pois a velhice é transversal e inescapável a todos, e muitos cuidadores informais não têm qualquer apoio. Também é isto o que fica do filme. Para além da sua sublime e subtil capacidade de nos transportar para o lugar do envelhecido, promove a nossa empatia pelo filha cuidadora que se desmembra em vários papeis. A sensibilização sobre este tema é sempre actual, e a arte é uma forma eficaz de o fazer!

Publicado no dia 06/06/2021 por Luzia Prata