Quem Tem Medo do Feminismo Negro?,

de Djamila Ribeiro

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Este é um dos livros que sempre quis ler. Depois de lido, considerei-o tão didático, claro e de fácil leitura que, de vez em quando, ainda recorro às suas páginas para refletir sobre alguma situação ou simplesmente para encontrar alguma identificação, tendo em conta que os temas tratados ainda são pouco debatidos.

‘’Quem tem medo do feminismo negro?’’ é uma pergunta para a qual a autora, Djamila Ribeiro, procura evidenciar as respostas ao longo de 33 reflexões, em forma de curtos capítulos. Estes capítulos são, na verdade, episódios da história recente que, sendo diferentes, carregam, todos eles, uma conclusão comum: um movimento feminista no qual a luta antirracista não seja uma das prioridades estará longe de ser um projeto democrático. Esta conclusão pode ser sustentada com os mais diversos argumentos, que vão desde às mulheres transexuais às mulheres negras.

Com efeito, a autora explica que a negação histórica da humanidade destas mulheres torna urgente incluir e pensar nas intersecções como prioridade de ação, sob pena o feminismo tornar-se totalmente contraproducente, designadamente porque continuará, através da exclusão, a alimentar as estruturas de poder que, ao longo de vários séculos, insistem em fazê-lo.

"a negação histórica da humanidade destas mulheres torna urgente incluir e pensar nas intersecções como prioridade de ação, sob pena de o feminismo tornar-se totalmente contraproducente"

Por sua vez, estas intersecções obrigam a que se dê um olhar atento e, acima de tudo, voz e representação às especificidades existentes no ser mulher. Assim, se existem mulheres que, para além da opressão de género, sofrem outras opressões, como o racismo, o feminismo, enquanto movimento destinado ao combate da concessão de privilégios com base no género e, assim, necessariamente, à legitimação de opressões, deve estender e adequar as suas pautas ao combate das opressões específicas de um determinado grupo de mulheres, neste caso, das mulheres negras.

Reconhecer que assim é, é também reconhecer que não existe um só enfoque no feminismo. Pelo contrário, existindo uma diversidade de raças, posições ideológicas entre outras características dentro da própria categoria de ‘’mulheres’’, esta é uma constatação que levará a diferentes abordagens e perspetivas.

Uma parte significativa dos episódios utilizados como exemplos para demonstrar o que acima foi dito tiveram origem no Brasil, de onde a autora é natural. Não obstante, muitos outros exemplos, desde Serena Williams à Grada Kilomba, têm origem no contexto internacional.

De entre estes exemplos, Djamila Ribeiro utiliza inclusive situações que marcaram a sua própria trajetória para destacar o racismo e o machismo envolvendo cada um dos exemplos. Assim, sucede, por exemplo, com o racismo religioso.

"o feminismo, enquanto movimento destinado ao combate da concessão de privilégiso com base no género e, assim, necessariamente, à legitimação de opressões, deve estender e adequar as suas pautas ao combate das opressões específicas de um determinado grupo de mulheres, neste caso, das mulheres negras."

Djamila Ribeiro é praticante do Candomblé, uma religião de origem africana, trazida para o Brasil por negros africanos escravizados durante a colonização. Por causa desta origem, somada ao sacrifício de aves e animais, o Candomblé e o seus praticantes são, até hoje, altamente estigmatizados, inclusive por pessoas que não são vegetarianas ou veganas. Isto destaca, segundo a autora, a hipocrisia e o racismo desta perseguição, que, no caso das mulheres negras, será acrescida do machismo de que, ‘’normalmente’’, já são alvo.

Para além do racismo religioso, a autora é bastante assertiva nas críticas que faz a propósito da hipersexualização dos corpos das mulheres negras (veja-se, a título de exemplo, a figura da ‘’globoleza’’, por muitos anos veiculada semi-nua na televisão brasileira), o que contribui para o racismo estrutural e, automaticamente, contribui para a sua desumanização.

Djamila Ribeiro é ainda bastante destemida quando, de forma clara, nega quaisquer hipóteses de racismo reverso, critica a utilização do humor como motor de impulso para a perpetuação do racismo e evidencia que a ascensão de mulheres negras ainda é motivo de incómodo.

Publicado no dia 30/04/2021 por Débora Dutra